23 de junho de 2015

caiu do escorrega

Caiu de uma altura de mais de um metro, desamparado. A minha alma partiu-se como um vaso vazio. 
Há uns tempos uma blogger lançou um livro sobre todas as coisas que nunca ninguém lhe disse sobre a maternidade e as mães histéricas cairam-lhe em cima. Haja pachorra para as mães histéricas. O meu filho tem 21 meses e ainda mama, passa mais de metade da noite na nossa cama, isto e tantas outras coisas que vou partilhando no facebook com os meus amigos (parto humanizado, parto na água, parto sem drogas, parto parto parto) fariam de mim uma dessas mães extremosas e histéricas, não fosse o eu saber o que é ser criticada quando me desfaço em mil para dar o meu melhor e isso nunca, mas nunca ser suficiente. Se há coisa que a maternidade me trouxe foi tolerância. Para com o meu filho, para comigo mesma, para com as outras mães. As que pariram anestesiadas num bloco operatório, as que não quiseram dar de mamar, as que deixaram o bebé chorar no escuro, as que gritam no supermercado, as que ameaçam castigar, as que ameaçam bater, as que batem. Falar é tão fácil, teclar é facílimo.
Disse-me uma vez uma amiga que quando somos mães de um, somos mães de todos, e isso é cada vez mais verdade para mim. Caiu do escorrega e eu nem sequer fui a primeira a lá chegar, nem a segunda, que as mães voam quando um bebé cai. Passaram-mo para as mãos, revistei-o e abracei-o e ali ficámos no meio do chão, ele aos prantos e eu a tremer. Nenhuma mãe histérica se aproximou de mim, ora pois, que o anonimato não é possível num parque infantil. Pelo contrário, só vi olhares de compreensão, só recebi palavras de conforto. Mães de um, mães de todos. Mães desfeitas em mil. E mil não é suficiente.
Vivo 24 horas por dia com o meu filho. Tenho muitas vezes a certeza que quem inventou a tortura do sono foi uma mãe. E quem inventou as creches também. Digam-me o que quiserem. Neste momento só acredito que as creches e infantários foram inventados por pais à beira dum ataque de nervos a precisarem desesperadamente de um momento sem filhos. Só é pena que não o admitam. A culpa levou-os a defender que os meninos precisam de socializar, de brincar com outros meninos, de ser independentes. Sim, sim. Como se tudo isso não fosse possível com os pais por perto. O que os pais precisam é de se recompor. É isto que eu vejo e sinto. Vejo-me fragmentada. Já várias vezes na minha vida passei por isto de me sentir desfeita. Desfeita (pulverizada) com o maior desgosto de amor da minha vida. Desfeita mentalmente com um esgotamento. Desfeita emocionalmente com uma depressão. Mas isto de ser mãe é permanente. É olhar para o espelho e ele estar todo estilhaçado. É ver-me em mil pedacinhos e não saber qual deles sou eu, qual é o meu filho. O Diogo é um pedaço de mim que vive cá fora e isso é tão confuso que às vezes tenho muita dificuldade em pensar. Em me concentrar. Em me ver. A gravidez prepara-nos para este abalo sísmico do ego. O ser dois em um. Outra teoria que cá guardo é que não é por acaso que carregamos o bebé nas entranhas. E não é por acaso que esse invólucro sagrado se abre e rasga com carne viva, sangue, suor e lágrimas à mistura. Porque isso é só um vislumbre do que se avizinha.
Ninguém nos diz das muitas coisas horríveis de ser mãe ou pai. Ninguém diz porque na verdade não vale a pena. Pensávamos que seria difícil, e na verdade é quase impossível. Pensávamos que seria bom, e na verdade é muito melhor. É maravilhoso e compensador de formas que nunca imaginámos. É olhar para o espelho todo estilhaçado e na maioria das vezes ele ter o encanto hipnotizante dum caleidoscópio.



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